Esta publicação também é mostrada no blog Poverty to Power, do site da Oxfam.
Grandes somas de dinheiro público estão a ser mobilizadas e direcionadas para financiar medidas de emergência para a COVID-19. Os governos precisam identificar, aprovar e implementar com urgência financiamento de emergência. Embora a rapidez não tenha de existir em detrimento da prestação de contas, o risco dos recursos públicos serem mal utilizados e desperdiçados é uma realidade.
As políticas e ações dos governos determinarão quantas vidas serão salvas, quantas pessoas cairão na pobreza e a forma da sociedade que irá surgir em consequência. Estas escolhas são tão importantes que não podem ser feitas de forma opaca e sem a participação da opinião pública, especialmente quando a perceção da desigualdade e da corrupção já minou a confiança cidadã em muitos países. No entanto, a História mostra-nos que as crises também podem ser tempos de renovação política; uma maior transparência e prestação de contas podem fortalecer o contrato social existente. O FMI fez um resumo dos seus conselhos para uma resposta rápida e responsável numa única frase: “Façam o que for preciso, mas guardem os recibos.”
Mas as pessoas têm o direito de fazer perguntas, quanto mais cedo melhor, pois os recibos começam a acumular-se: Podemos ver esses recibos?
Os sistemas de prestação de contas orçamentais da maioria dos países apresentam lacunas, mesmo quando funcionam em condições menos extremas. O último Inquérito sobre o Orçamento Aberto (OBS), divulgado na semana passada, conclui que alguns dos aspetos mais frágeis na transparência e fiscalização orçamental são os mais importantes para monitorar os recursos públicos durante esta emergência. Estes aspetos incluem:
Falta de ligação entre políticas e orçamentos. À medida que os governos anunciam novas políticas de emergência, devem também explicar de que forma essas políticas serão financiadas. Mesmo antes desta crise, um terço dos 117 países avaliados no OBS não mostrava de que forma as novas políticas propostas se traduziam em dotações orçamentais. Neste momento, muitos governos estão a canalizar fundos de emergência através de fundos extra-orçamentais que ficam fora do processo orçamental normal, e que possuem também relatórios e sistemas de gestão próprios e separados. Isto acarreta riscos; depois de criados, os fluxos de financiamento geridos separadamente podem não ser usados de acordo com as prioridades dos governos. Além disso, menos de um quarto dos países analisados no OBS divulgam informações completas sobre fundos extra-orçamentais nas suas propostas.
Fragilidades da transparência e fiscalização da execução do orçamento. Quando o financiamento de emergência é aprovado com fiscalização legislativa acelerada ou reduzida, aumenta a importância de “guardar os recibos” para fortalecer a fiscalização da execução do orçamento. Ainda assim, o OBS conclui que um quarto dos países pesquisados não divulga relatórios sobre a execução do orçamento dentro de prazos adequados. À medida que os governos ajustam as despesas por meio de orçamentos suplementares, realocações e transferências orçamentais, dois terços dos países analisados não publicam uma revisão semestral abrangente que apresente as mudanças nas despesas devidas a novas projeções de receitas e despesas. A fiscalização legislativa da execução orçamental é limitada: menos de um quinto de todas as legislaturas publica relatórios sobre suas avaliações da execução do orçamento. A fiscalização da auditoria também tem lacunas: um terços dos países analisados não divulga publicamente o relatório de auditoria das finanças do Governo num prazo de 18 meses após o fim do exercício fiscal; e três quartos dos países não auditam todas as despesas públicas de fundos extra-orçamentais.
Informação incompleta quanto a dívidas e novos passivos. Os governos estão a assumir dívidas adicionais para financiar as despesas numa situação onde as receitas estão a diminuir. Muitos estão também a garantir dívidas das empresas e dos mercados financeiros. Porém, pagamentos mais onerosos das dívidas, especialmente nos mercados emergentes, podem tirar recurss de gastos em serviços essenciais; e as garantias de dívidas podem ser particularmente arriscadas durante crises financeiras. Tais riscos deveriam fazer parte dos debates orçamentais, mas o OBS conclui que, nas propostas orçamentais, apenas um quarto dos países analisados divulga as suas obrigações de dívida total e a composição dessa mesma dívida, enquanto apenas 13% dos países divulgam informação abrangente sobre os seus passivos contingentes.
Um apelo à ação para fortalecer a abertura dos orçamentos durante a resposta à COVID-19
Apesar destes desafios, o uso indevido dos fundos de emergência não é um dado adquirido. Os governos comprometidos com a transparência desde o início da sua resposta à crise criaram precedentes para uma prestação de contas mais forte ao longo dos respetivos períodos de recuperação.
Como parte do lançamento do Inquérito OBS 2019, a International Budget Partnership emitiu um Apelo à Ação para que os governos atinjam quatro metas de orçamento aberto durante os próximos cinco anos. Os governos não podem esperar até o fim desta crise para fazer progressos nestas metas; devem começar agora a salvaguardar os nossos recursos públicos. Aprofundando as quatro metas do Apelo à Ação, explicamos de que forma os governos podem, não só “guardar os recibos”, como também publicar e usar esses recibos para promover a prestação de contas:
- Começar com total transparência: Aumentar a frequência e abrangência das informações da execução orçamental, incluindo transações de compras e relatórios sobre fundos extra-orçamentais. As informações devem ser divulgadas por meio de sites ou portais existentes ou, caso ainda não existam, recorrendo às ferramentas e recursos disponíveis para a publicação dos dados. Esta informação também deve explicar os ajustes de orçamento, incluindo aumentos e reduções nas estimativas das despesas, fontes de financiamento, detalhes sobre o total das obrigações da dívida e novos passivos contingentes. Os governos devem ainda publicar as diretrizes e políticas que irão reger as despesas, tais como critérios sobre beneficiários de pacotes de ajuda, regras ajustadas para despesas públicas e aquisições governamentais.
- Procurar contribuições e participação públicas: Expandir a colaboração com a sociedade civil na monitorização da implementação de medidas de emergência e de estímulo. A sociedade civil pode ajudar os governos a realizar verificações pontuais para garantir que o financiamento e os serviços estão a chegar aos beneficiários pretendidos. Auditorias sociais já foram usadas para monitorizar programas de garantias de emprego na Índia e atualmente são usadas pelo escritório do IBP na África do Sul para rastrear serviços em assentamentos informais. Os governos podem solicitar ativamente feedback público sobre as políticas fiscais e orçamentais, bem como os desafios no acesso a programas de emergência e de apoio económico.
- Reforçar a fiscalização durante a execução do orçamento: Comprometer-se a agilizar a auditoria dos financiamentos de emergência e de estímulo, incluindo financiamentos extra-orçamentais. Da forma mais célere possível, as instituições superiores de auditoria podem recordar os governos sobre as regras que devem ser seguidas e apresentar relatórios e resultados de auditorias para o público e para os governos, para que estes possam abordar as questões de implementação governamentais durante a resposta à crise.
- Promover e sustentar melhorias nas práticas de prestação de contas: O caminho em direção a orçamentos mais abertos é possível mesmo durante esta crise, através de ferramentas que já existem e de dados que os governos já produzem, mas os governos não devem simplesmente ficar por aí. Os governos devem comprometer-se a sair desta crise com mais prestação de contas pelo uso dos recursos públicos.
Os países têm agora uma escolha sobre onde vai levar a resposta deles à esta crise: à menos transparência e menos confiança, ou à maior abertura e mais prestação de contas. Junto com mais de 100 organizações que já assinaram o Apelo à Ação, pedimos aos governos que optem por um caminho de mais abertura.